Justiça do Trabalho condena empresas por prática racista em SC e SP. Em Minas, polícia descaracteriza racismo e tipifica crime como injúria
A Quarta Turma do TST manteve sentença do TRT-12 (SC) obrigando a Santa Rita Indústria de Auto Peças Ltda. a pagar indenização de R$ 20 mil, por danos morais, a um ex-empregado vítima de racismo no ambiente de trabalho durante oito anos. Os ministros rejeitaram o recurso da empregadora porque ela não conseguiu provar que a decisão do TRT tenha violado algum dispositivo legal ou tenha havido divergência jurisprudencial.
O operário procurou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para denunciar o desrespeito em relação aos negros e afirmou ter sido alvo de piadas e brincadeiras de cunho racista, “com o conhecimento dos superiores, que nada faziam para suprimir esses atos”.
Fiscais do MTE visitaram a empresa e constataram que nas portas dos banheiros havia inscrições discriminatórias para com os negros.
Ainda assim, a Primeira Vara do Trabalho de Blumenau julgou o pedido de indenização improcedente, por entender que “os apelidos, mormente em um ambiente de operários, são perfeitamente aceitável e corriqueiro”. O TRT-12 reformou a decisão. Para o Regional não ficou dúvida de que o operador de máquinas fora vítima de piadas e brincadeiras até ser demitido por justa causa, como forma de retaliação por ter ajuizado a reclamação trabalhista. Para o TRT-12, a decisão de primeiro grau “está na contramão da história”, ao considerar tolerável “o que não pode ser admitido em nenhuma hipótese”. A Santa Rita foi condenada a reparar o empregado em R$ 20 mil, além de multa de R$ 5 mil por ter punido o trabalhador com demissão, por causa da reclamação trabalhista. O recurso da empresa ao TST foi infrutífero.
Ainda nesta semana, o TRT-15 (Campinas-SP) noticiou a condenação da Masterfoods Brasil Alimentos Ltda. (processo nº 0260600-80.2009.5.15.0022) a pagar indenização de R$ 10 mil, por danos morais, a um empregado ofendido por outro funcionário em relação à cor da pele. A desavença começou quando o reclamante foi alertado de que não poderia registrar horário de saída após a troca do uniforme. De acordo com os autos, as testemunhas levadas pela empresa confirmaram que o ofensor teria dito “só podia ser mesmo” e com tom de brincadeira teria feito o gesto de “esfregar a mão no dorso da outra” – ou seja, apontar a cor da pele do colega. Para a Sexta Câmara do TRT-15, o gesto é “notoriamente depreciativo e racista e, em conjunto com a expressão proferida, revela a intenção imprópria [do ofensor] de dizer que, somente por serem da raça negra é que o reclamante e os demais que assim se enquadravam desatendiam à norma da empresa”. Para o colegiado, ficou clara “a violação à intimidade, à honra e à imagem do reclamante”. A empresa poderá recorrer ao TST.
Não adianta ter leis se a questão é cultural
Dizer que o Brasil não é racista é hipocrisia. Aliás a questão pega na espinha dorsal da arraia que não gosta de ser incomodada. Causa polêmica e discussões acaloradas. O racismo velado é antigo, embora não faltem leis (Afonso Arinos 1390/51; Lei Caó nº 7.716/1989; Lei 9.029/1995 - artigo 3º), entre outras. Não adianta criar dispositivos legais, como o de 1989 que criminaliza o racismo se eles são ignorados. Agora vem mais um adendo no Código Penal.
A comissão de juristas responsável pelo anteprojeto anunciou em 11 de junho que ampliaram o rol de crimes hediondos, entre eles o racismo. Pela proposta aprovada, e de acordo com a Constituição, os crimes hediondos ficam insuscetíveis de fiança, anistia e graça. A progressão de regime será mais difícil e acontecerá somente após o cumprimento da metade da pena, se o apenado for primário, e de três quintos, se reincidente. Até então, o que tem ocorrido é que nas delegacias os crimes de racismo são tipificados como injúria. Daí, só resta ao ofendido “enfiar a cópia do B.O. debaixo do braço” e se contentar.
Criança negra é ofendida na escola por ter dançado com menino branco
Manchete como essa parece ter sido recortada de um pasquim dos anos 50, mas embora ridícula, a ofensa ocorreu no início deste mês, durante as festas “juninas” em uma escola de Contagem (MG). O caso, que ganhou repercussão global, ocorreu no Centro de Educação Infantil Emília, no dia 7/7, foi registrado pela mãe da criança na ONG SOS Racismo e na delegacia de Polícia.
A professora Denise Cristina Pereira Aragão disse que Maria Pereira da Silva, avó de um dos alunos, invadiu a escola querendo saber porque permitiram o neto dela dançar quadrilha com a “negra e preta, horrorosa e feia”. Diante da inércia da diretora, a professora levou o caso ao conhecimento da mãe da menina e pediu demissão da escola. Segundo o jornal “O Estado de Minas”, a Polícia Civil indiciou a avó por injúria racial. A SOS Racismo apurou que Maria Pereira Campos da Silva já teria uma condenação na Justiça.
O caso dessa menina, tão recorrente no País, relembra a infância da desembargadora Luislinda Valois do TJ-BA, filha de um condutor de bonde e de uma lavadeira,que chegou a ser humilhada por um professor que lhe disse que “lugar de negra como ela era na cozinha de branco fazendo feijoada e não na escola”.
Aos 14 anos foi trabalhar na Cia. Docas da Bahia, como datilógrafa. Depois ingressou no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (atual Denit), formou-se em Direito, tornando-se mais tarde magistrada. Pautou todo o trabalho em prol do povo carente e criou vários programas como o Balcão de Justiça e Cidadania; Justiça Bairro a Bairro; Justiça Itinerante Baia de Todos os Santos;
Fome Zero de Justiça na Bahia; Lendo, Aprendendo e Buscando Justiça; e o Justiça Escola e Cidadania, com objetivo de levar a Justiça às escolas públicas. É respeitada e admirada nos quilombos, nos movimentos populares, nos terreiros de candomblé, pela defesa dos menos-favorecidos. No ano passado, foi nomeada desembargadora pelo critério de antiguidade, em decisão unânime do CNJ.
Será que a menina ofendida de Contagem chegará a ser uma desembargadora?
Tribuna do Direito - Geral - em 31/07/2012
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