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DIÁRIO DO COMÉRCIO: Igualdade diante da lei


Ministro Cezar Peluso, do STF, e a corregedora-geral do CNJ, Eliana Calmon: polêmica tem como pano de fundo a falta de transparência e o corporativismo do Supremo./André Dusek-AE

Apesar do recesso, a polêmica continua. A liminar que suspende na prática todas as ações investigatórias do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), decidida monocraticamente pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, tem sido repelida pela consciência jurídica nacional. Vários constitucionalistas se manifestaram, uma vez que não havia urgência imprescindível para a concessão da liminar no último dia antes do recesso do STF.

Questionado pela AGU (Advocacia-Geral da União)  o próprio presidente do CNJ e do Supremo, Cezar Peluso, confirmou a liminar,  transferindo para a volta do recesso, em fevereiro de 2012, o julgamento definitivo pelo pleno da corte. Ministros do STF, como o atual presidente interino, Ayres Britto,  já se declararam muitas vezes, publicamente, pela competência investigatória concorrente e não subsidiária do CNJ,  em face dos procedimentos investigatórios inócuos das corregedorias dos tribunais estaduais. 
 
Ato contínuo, as três maiores entidades de membros da magistratura conseguiram do ministro Ricardo Lewandowski outra liminar para impedir que a corregedora-geral do CNJ, ministra Eliana Calmon, promova investigações na vida de 231 mil pessoas, entre juízes, familiares e servidores de 22 tribunais. 
 
A ministra Eliana havia requisitado, através de ofício, a análise das declarações de bens e rendimentos apresentados por magistrados e servidores, principalmente nos casos com movimentação acima de R$ 500 mil durante o  período de 2006 a 2010. Como justificativa, a ministra citou material que recebeu do Coaf  (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ligado ao Ministério da Fazenda, a pedido do corregedor Gilson Dipp, seu antecessor. 
 
Hoje, a CNJ analisa um total de 503 processos sobre irregularidades e corrupção relacionadas a magistrados. E, mais uma vez, setores da magistratura reagem com veemência às tentativas de dar transparência a um poder que historicamente tem sido o mais opaco e corporativista diante da crescente exigência de clareza da administração pública  pelas organizações da sociedade civil. 
 
Peluso afirmou que "nos termos expressos da Constituição, a vida funcional do ministro Lewandowski e a dos demais ministros do Supremo Tribunal Federal não podem ser objeto de cogitação, de investigação ou de violação de sigilo fiscal e bancário por parte da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça". 
 
Por que não pode,  se todos os cidadãos são iguais perante a lei? Cabe aqui esclarecer que o sigilo fiscal é tão somente a proteção às informações fiscais prestadas por todos os cidadãos contribuintes. Ou seja, sua quebra se dá apenas quando da divulgação desses dados por um órgão que detenha direito a eles. 
 
No caso do CNJ, como expresso no Artigo 4º, item XV, de seu regimento, pode, sim, "requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos de sua competência". 
Vale lembrar que a divulgação destes dados sigilosos constitui crime previsto no artigo 325 do Código Penal. Em sua defesa, a ministra Eliana Calmon não fez por menos, acusando de mentirosas e maledicentes as entidades de juízes e suspeitando que elas próprias podem ter vazado os dados à imprensa. 
 
Diferentemente do que pensam esses setores da magistratura que estão tão incomodados com o CNJ, juízes e desembargadores são também servidores públicos. Tanto quanto os outros servidores, estão sujeitos ao Artigo 37 da Constituição Federal, que determina que "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". 
 
Polêmicas deste tipo, além de soarem meramente corporativistas para a sociedade, só contribuem para denegrir a imagem do poder mais importante para a democracia, que é o Judiciário, responsável pelas garantias fundamentais dos cidadãos. 
 
Agora é a vez dos setores éticos e transparentes da magistratura se manifestarem e de nossos parlamentares agilizarem a tramitação da lei proposta pelo senador Demóstenes Torres sobre a competência investigatória do CNJ. É um instrumento de controle externo da magistratura, conquista de décadas de lutas da sociedade civil, a exemplo de todas as demais funções públicas providas de conselhos de controle externo e corregedorias. 
 
A cidadania aguarda ansiosa que nossos magistrados deem o bom exemplo da vida republicana de que todos os cidadãos são iguais e ninguém pode estar acima das leis.
 
 
Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão


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