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Conciliação em execuções resolve maioria dos casos
Pedra no sapato do Judiciário, as demoradas execuções das decisões ganharam um caminho alternativo — e mais rápido — na Justiça do Trabalho de São Paulo. Apostando na conciliação, o Tribunal Regional da 2ª Região criou a possibilidade de acordo mesmo depois que o caso foi decidido. No Juízo Auxiliar de Conciliação em Execução, empregadores que perderam ações e não conseguem arcar com o pagamento podem negociar os valores. Sucesso há quatro anos, o projeto já conseguiu alinhar interesses de empresas e trabalhadores em mais da metade dos casos.
A ideia de conciliar nos processos de execução trabalhista, mesmo depois de lavrada a sentença, nasceu em 2007, durante a gestão do desembargador Décio Sebastião Daidone na Corregedoria do tribunal. Sem dinheiro para cumprir com as pesadas decisões, as empresas encontraram no recém-criado Juízo Auxiliar a boia de salvação. Desde que o Juízo começou a funcionar, em 2007, até abril deste ano, em 2.693 audiências foram fechados 2.569 acordos. Não aceitaram a proposta dos reclamados 902 credores, o que dá ao juízo um índice de sucesso de 62% dos casos recebidos.
"Há casos de devedores insolventes em que os credores aceitam até mesmo o deságio dos valores, apesar de a sentença ter garantido o direito", explica a juíza Olga Vishnevsky Fortes, parceira de Daidone na criação do projeto e responsável pelo Juízo desde sua instalação.
O procedimento é simples. O devedor apresenta ao Juízo — que é vinculado à Corregedoria da corte — bens e dinheiro, e um projeto de como pretende quitar as dívidas. Com a aprovação do corregedor, o valor arrecadado é depositado em uma conta judicial do projeto, que fica livre do alcance até mesmo de outras execuções em andamento. Tendo nas mãos o que exatamente poderá dispor para as quitações, a Justiça faz as contas e convoca os credores para a divisão por igual. Quem aceita a proposta já começa a receber.
Segundo a juíza, há poucos riscos para os trabalhadores, uma vez que só são levadas adiante propostas de empresas que tenham "fôlego" para honrar o compromisso. "Além disso, o exequente que não aceita a proposta não corre o risco de ficar para trás, já que as execuções prosseguem. O dinheiro e os bens oferecidos para o projeto devem ser diversos dos que garantem a execução", diz.
Longe de ver a medida apenas como um projeto, a presidência do TRT-2 ampliou a ideia e decidiu criar um núcleo de conciliação na corte, seguindo a orientação dada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso. De acordo com o desembargador Nelson Nazar, chefe do tribunal paulista, foram abertas 40 vagas para juízes e servidores interessados em participar. O grupo abriu a possibilidade para que juízes e servidores aposentados também compusessem a equipe, desde que concordassem em contribuir de graça. Surpreendentemente, foram 170 inscritos.
"Fazer acordos e conciliar, seja em que fase for, é tradição e o objetivo da Justiça do Trabalho", diz o presidente. "Composições são sempre boas porque desarmam os espíritos, retiram das partes a ideia de vencer ou perder e diminuem a distância entre os pedidos de cada lado, colocando os acordos no nível do possível."
Fórmula aprovada
A Associação Portuguesa de Desportos foi o primeiro caso de sucesso no Juízo Auxiliar de Conciliação. Só em 2007, nas 65 audiências promovidas, foram fechados 37 acordos. O êxito com 57% dos credores estimulou o TRT-SP a continuar o projeto. No primeiro semestre de 2008, três empresas já estavam na lista: Portuguesa, Eletropaulo e a Editora Jornal do Brasil — então detentora da marca e da dívida de jornais como a Gazeta Mercantil. Ao todo, foram 251 audiências e 164 acordos firmados, novamente alcançando 57% de conciliação.
No segundo semestre do mesmo ano, aderiram a Transbank, a Faster Road e a Ricavel. Das 39 audiências feitas, apenas 11 não chegaram a termo, e sete credores não apareceram. Somadas, das 309 audiências feitas entre julho e novembro de 2008 nasceram 203 acordos, elevando o índice de soluções para 60%.
Primeira com as finanças sadias a aderir, a Eletropaulo encontrou no projeto a solução para diminuir o acervo de processos trabalhistas. "Para a empresa, é mais interessante que os processos terminem antes, já que eles geram custos com advogados e juros de 1% ao mês", explica a advogada trabalhista Adriana Modesto, do departamento jurídico da companhia.
Hoje, a conciliação nessa área deixou de ser aposta para virar objetivo na empresa, o que se deve à atuação do gerente jurídico Carlos Lopes. Por sua orientação, o departamento criou critérios para selecionar processos que anualmente vão para acordo no Juízo Auxiliar. É o caso, por exemplo, das ações trabalhistas decorrentes de responsabilidade subsidiária que recaia sobre a Eletropaulo devido a terceirização de serviços.
Para a empresa, além da redução de custos, resolver processos complicados por meio de acordo significa diminuir inclusive os montantes determinados pela Justiça para serem pagos. Como nas conciliações fechadas no Juízo Auxiliar a Eletropaulo quita a dívida com o trabalhador à vista e em até dez dias, muitos são os casos em que os credores aceitam deságios, dependendo da fase em que o processo se encontra.
"Os acordos firmados no projeto foram um catalisador", acrescenta o advogado trabalhista Miguel Calmon, que tem entre seus clientes reclamantes contra a Eletropaulo. "As empresas passaram a procurar acordos diretamente com os interessados, independentemente de audiências na Justiça." Segundo ele, negociações são interessantes para os trabalhadores devido à demora das execuções, que duram em média entre dois e três anos.
Peixes grandes
Em 2009, dez execuções em massa já tramitavam no Juízo Auxiliar. Além da Portuguesa, da Editora JB e da Eletropaulo, grandes conglomerados viram no projeto uma forma de organizar os pagamentos na seara trabalhista. Chegaram os grupos Pão de Açúcar (Companhia Brasileira de Distribuição) e Votorantim, além de Carrefour, Probel, Inajá Artefatos e Ambrosiana Companhia Gráfica e Editorial. Ao fim do exercício, foram 1.260 audiências, e 1.055 acordos. O Juízo estuda ainda proposta do Santander para dar cabo de cerca de 300 execuções.
Só da empresa Inajá, em uma audiência, 152 dos 180 reclamantes aceitaram a proposta de pagamento proporcional. "Em dissídio coletivo, a empresa ofereceu um imóvel, vendido em hasta pública por R$ 9 milhões, para quitar uma dívida 20% maior", conta a juíza Olga Vishnevsky Fortes. Na audiência pública, o Juízo aconselhou os credores a aceitarem um deságio de 20% do que tinham direito. Depois de um tempo, todos aderiram. "O gosto é especial porque de uma só vez se soluciona o problema de várias pessoas", diz. "É gratificante ver as pessoas vindo em sua direção para cumprimentar."
O mesmo aconteceu com a Phillips, uma das três devedoras que aderiram no ano passado. Incluída no projeto, fez 264 acordos em apenas uma reunião. Somando-se as execuções contra as demais empresas sob a batuta do Juízo Auxiliar em 2010, foram feitas 1.454 audiências para fechar 990 acordos. Só o Itaú Unibanco conseguiu 175 concilações que deram conta de uma dívida de R$ 9,7 milhões. Em 2011, o Juízo promoveu mais 120 acordos em 164 audiências até abril.
Exemplo do sucesso do modelo, a Eletropaulo, campeã de execuções resolvidas pela conciliação, conseguiu 601 acordos desde 2008. Outros 570 credores não aceitaram os termos propostos, e 122 sequer apareceram para negociar. Embora os números mostrem uma adesão pouco empolgada dos trabalhadores em relação ao total, a empresa conseguiu reduzir seus problemas pela metade. Em 1.293 audiências feitas, 46% dos casos foram resolvidos com certeza de pagamento. Em dezembro do ano passado, a dívida negociada foi de R$ 5,4 milhões.
A Probel conseguiu outro feito. Em apenas uma audiência com todos os trabalhadores, firmou 635 acordos. Somente um credor não aceitou os termos e decidiu continuar o caminho da execução. Outros 106 não compareceram à audiência pública. Mas no fim das contas, só 14,4% das execuções não foram solucionadas. Um recorde.
Se por um lado dinamizou as demandas trabalhistas quando foi criado, por outro o projeto também tem sido usado como ferramenta de procrastinação, na opinião do advogado Miguel Calmon. "A empresa se aproveita da paralisação que ocorre quando o processo é indicado para o Juízo Auxiliar. Faz uma proposta ridícula e ganha dois ou três meses", diz. Segundo ele, uma das empresas que pediu para participar do projeto, ao chegar ao Juízo, propôs pagar apenas 5% do que devia. "O processo está parado há quatro meses esperando para voltar a ser executado."
Batuta judicial
Juíza há sete anos, Olga Vishnevsky Fortes tem traquejo especial em gerenciamento. Advogados que trabalham com ela nos projetos contam que seu talento em conciliar foi o que viabilizou diversas negociações. A facilidade no trato pode ser atribuída à experiência do outro lado do balcão. Antes de entrar para a magistratura, Olga advogou na área empresarial por 11 anos.
Seu perfil peculiar deu contorno às atribuições do próprio Juízo que ajudou a criar. "Não fazemos apenas conciliação, mas também damos solução para processos complicados que precisam ser saneados", explica. "A conciliação era o objetivo do projeto, mas hoje é apenas uma parte dele." A preocupação com a administração dos processos levou a juíza a escolher o curso de Administração Judiciária da Fundação Getúlio Vargas como segunda pós-graduação, que ainda frequenta.
Na prática, o setor comandado pela juíza tem hoje também função de auxílio à execução para as varas da capital. Cálculos, perícias, audiências e acordos são tirados das mesas dos julgadores originais para serem destrinchados no Juízo Auxiliar. "Grandes devedores e ações coletivas sobrecarregam os juízes. Às vezes, é só na fase de cumprimento das sentenças que se descobre que as demandas não envolvem direitos individuais homogêneos", conta ela. Trabalhando com quatro funcionários desde o início do projeto, neste mês Olga terá a equipe duplicada.
Sofrendo duas execuções trabalhistas, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) foi um dos beneficiados pela expertise do Juízo Auxiliar. Pretendendo fazer acordo, o parlamentar encontrou dificuldades para marcar uma audiência. Só conseguiu depois que o caso foi levado ao setor de conciliação em execuções, onde negociou definitivamente um dos processos.
O Juízo ainda conseguiu fechar acordo entre o zelador de um condomínio e 70 moradores responsabilizados pelas dívidas trabalhistas. Com a desconsideração da personalidade jurídica do condomínio, os condôminos — na maioria, aposentados — foram incluídos no pólo passivo da ação. Depois de muita conversa, chegou-se ao acordo de parcelar o pagamento e dar um desconto ao que deviam. O processo aguarda perícia para ser executado.
Método ultrapassado
Ter de contar com uma vara específica para desenrolar os novelos das execuções se deve, segundo Olga, à complexidade desse tipo de processo. Ela afirma que a CLT não satisfaz as exigências nem de credores nem de devedores quando se fala em dar concretude às decisões de mérito.
Um dos exemplos é a ausência da prescrição intercorrente de forma expressa no texto legal. Segundo a regra, que faz parte do Processo Civil, se quem cobra fica inerte por mais de cinco anos cabendo-lhe uma atitude no processo, o direito de executar prescreve. Atualmente, é a jurisprudência que sustenta o uso do recurso.
Do lado do credor, também não há um instituto como o da multa por não cumprimento de sentença, como o prescrito no artigo 475-J do CPC. O dispositivo pune o executado em 10% do valor da condenação caso ele não pague o que deve em até 15 dias depois da citação do trânsito em julgado.
Penhoras online, possíveis com ferramentas como o BacenJud, que processa em tempo real bloqueios de contas bancárias com apenas uma ordem do juiz, também não servem sempre como salvação da lavoura. Elas não alcançam fundos de investimentos ou aplicações em previdência privada, por exemplo. Quando são os bancos os executados, esse meio também é inútil. "As receitas das instituições financeiras não ficam depositadas em contas bancárias de sua titularidade", explica a juíza.
Fonte: www.conjur.com.br
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